Ocitocina artificial: avanços, limites e impactos invisíveis
Com o avanço da farmacologia, foi possível sintetizar a ocitocina — a hormona natural que regula o trabalho de parto — e utilizá-la amplamente na prática obstétrica. A ocitocina sintética (ou artificial) é hoje uma das ferramentas mais usadas para induzir ou acelerar o parto, e não há dúvida de que pode ser extremamente útil em situações clínicas específicas.
Ter ao nosso dispor uma hormona com tamanha potência é, à primeira vista, algo extraordinário. No entanto, quando utilizada fora das indicações clínicas adequadas, a ocitocina artificial pode trazer riscos para a mãe e para o bebé, especialmente se o trabalho de parto está a decorrer de forma fisiológica e sem intercorrências.
Quando a intervenção interfere no que é natural
A ocitocina artificial é muito eficaz a provocar contrações uterinas, mas este é apenas um dos muitos efeitos da hormona natural. No corpo humano, a ocitocina participa numa verdadeira “dança hormonal” com outras substâncias, como a endorfina e a adrenalina, promovendo não só o trabalho de parto, mas também a vinculação emocional, o prazer, o alívio da dor e o sucesso na amamentação.
O seu uso indiscriminado ou desnecessário pode, paradoxalmente, levar a disfunções em partos que decorreriam normalmente apenas com o apoio da ocitocina endógena (produzida pela própria mulher).
Efeitos no útero e no pós-parto
Quando a ocitocina artificial é administrada durante o trabalho de parto, o corpo reage com uma redução dos recetores uterinos de ocitocina, para evitar uma hiperestimulação. Isto pode ter consequências importantes:
• No pós-parto, esses recetores permanecem reduzidos, o que aumenta o risco de hemorragia pós-parto. Mesmo que se continue a administrar ocitocina artificial após a saída da placenta, a sua eficácia será menor.
• Ao mesmo tempo, a produção natural de ocitocina é inibida, o que compromete a capacidade do útero se manter contraído e estancar naturalmente o sangramento.
Impacto no bebé
Durante o trabalho de parto, a ocitocina natural da mãe atravessa a placenta e entra no cérebro do bebé, onde desempenha uma função protetora: ajuda a reduzir temporariamente a atividade neuronal fetal, prevenindo danos associados à baixa oxigenação característica das contrações.
A ocitocina sintética, por outro lado, não atravessa a placenta. E como também reduz a produção da hormona natural, o bebé poderá ficar sem esta proteção neurológica fundamental.
Ligação mãe-bebé e pós-parto
O vínculo emocional entre mãe e bebé, a capacidade de lidar com o cansaço extremo, a entrega instintiva ao recém-nascido, a produção de leite materno e a descida do leite — tudo isso depende da libertação natural de ocitocina.
Quando esta hormona é substituída artificialmente, especialmente em doses elevadas ou sem necessidade, pode comprometer:
• A amamentação no início;
• A criação do vínculo afetivo;
• O estado emocional da mãe, aumentando o risco de baby blues ou depressão pós-parto.
O tempo do parto não é o tempo do relógio
Reduzir o tempo do trabalho de parto pode parecer vantajoso do ponto de vista logístico, mas nem sempre é o mais seguro ou benéfico. Em muitos casos, o corpo da mulher sabe o que está a fazer, e o tempo natural do parto é o tempo que o bebé precisa para nascer — e que a mulher precisa para se tornar mãe.
A intervenção médica tem um papel valioso quando necessária. Mas o uso da ocitocina artificial deve ser criterioso, respeitando os ritmos do corpo e a fisiologia do nascimento.
Respeitar o processo é cuidar melhor
A medicina moderna é uma aliada fundamental na assistência ao parto. Mas é importante reconhecer que nem tudo o que é tecnológico é sinónimo de melhor resultado. A verdadeira eficácia está em saber quando intervir e quando apenas apoiar.
A ocitocina natural é mais do que uma hormona: é a chave da ligação entre corpo, mente, emoção e nascimento. Usá-la com respeito — e intervir apenas quando necessário — é garantir que o início da vida seja tão humano quanto possível.