A História do Parto: da Intuição à Tecnologia, da Técnica ao Respeito
Qualquer pessoa consegue constatar que a humanidade se tem vindo a perpetuar ao longo de milhões de anos, até aos dias de hoje. E facilmente percebemos que nascer nem sempre foi um ato médico, realizado num hospital, na presença de profissionais especializados — médicos, enfermeiras, parteiras, neonatologistas, anestesistas…
Ainda assim, as mulheres davam à luz. E é assim que todos nós aqui chegámos.
Então, como acontecia? Onde? Com quem? Como eram vivenciados a gravidez e o parto há tantos séculos?
Vamos começar com uma afirmação simples:
Parir é um ato fisiológico da inteira responsabilidade das fêmeas das diferentes espécies — incluindo a espécie humana.
Antes da medicina: o parto era instinto, apoio e tradição
Até ao século XVI, quando uma mulher engravidava, a pergunta comum era:
“Será que ela vai sobreviver à gravidez e ao parto? E o bebé?”
Muito pouco podia ser feito para garantir a sobrevivência da mãe ou do recém-nascido.
As mulheres eram acompanhadas por outras mulheres: matriarcas, parteiras e figuras femininas mais velhas. As parteiras deslocavam-se às casas das grávidas e assistiam os partos, com o apoio das restantes mulheres da família.
Paria-se no seio do lar, com base no instinto, na força do corpo, no saber transmitido oralmente e na presença da natureza — mesmo sem conhecimento científico, confiava-se na experiência e no poder feminino.
Era, no entanto, um processo demorado, arriscado e com elevada mortalidade materna e neonatal, frequentemente causada por infeções, hemorragias ou complicações no parto.
Do século XVI ao século XX: a entrada da medicina no cenário do parto
Ao longo destes séculos, surgem os primeiros procedimentos com o objetivo de melhorar os desfechos no parto. Surge a figura do médico — quase sempre homem — enquanto as parteiras continuam a ter um papel central, chamando o médico em casos mais complexos.
Contudo, os partos continuavam a ser vividos com violência, pouca assepsia e escassez de técnicas eficazes. A mortalidade materna e neonatal mantinha-se alta, associada a infeções, hemorragias, pré-eclâmpsia, prematuridade, hipóxia e distocias.
Século XX: o avanço da ciência e o paradigma da “segurança hospitalar”
Neste século, a ciência dá passos importantes: identificam-se as bactérias, descobre-se a penicilina e promovem-se condições de higiene e saneamento. Torna-se evidente que muitas mortes resultavam de infeções evitáveis.
Surge então um novo paradigma:
“Um parto mais limpo é um parto mais seguro.”
Nasce a ideia de que as mulheres deveriam parir em locais apropriados — as maternidades — em vez de os profissionais se deslocarem ao domicílio. Nos hospitais, médicos, parteiras e pediatras passam a ter acesso a melhores condições de assepsia.
Adotam-se práticas rotineiras para manter o “ambiente limpo”: clisteres, tricotomia, jejum, uso de campos estéreis, desinfeção da vulva com antissépticos. Os bebés são lavados imediatamente após o nascimento e separados das mães, ficando em berçários para evitar contaminações.
É também nesta altura que se generalizam as consultas pré-natais e a vigilância tecnológica (ecografias, análises, cardiotocografia, fórceps, ventosa). A vigilância da gravidez e do parto torna-se cada vez mais parametrizada — baseada em números, gráficos, alarmes e máquinas —, afastando mulheres e profissionais do contacto direto com os corpos, os sentidos e os instintos.
O paradigma da rapidez: “quanto mais depressa, melhor”
Ao entrar no século XXI, surge uma nova preocupação: a duração do parto. Acreditava-se que partos demorados representavam risco de falta de oxigénio para o bebé. Assim, passaram a ser aplicadas intervenções sistemáticas como:
•administração de ocitocina para acelerar o trabalho de parto,
•rotura artificial da bolsa amniótica,
•manobra de Kristeller (pressão no fundo do útero),
•episiotomia,
•uso de fórceps.
O médico assume agora o papel principal: decide como, quando e de que forma a mulher irá parir.
À mulher resta o papel de paciente submissa: frágil, exposta, sozinha, presa a uma cama, muitas vezes privada de acompanhante e sujeita às decisões alheias.
Um novo olhar: humanizar o nascimento
A partir dos anos 90, diversos movimentos exigem mudanças profundas neste modelo. Em 1996, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publica o manual “Boas Práticas de Atenção ao Parto e Nascimento”, onde afirma:
“O objetivo da assistência ao parto é obter mãe e recém-nascido saudáveis com o mínimo possível de intervenção que seja compatível com a segurança.”
Surge, então, um novo paradigma, assente em evidência científica e em valores humanos:
•Quanto mais seguro, melhor – com base em ciência e não em rotina;
•Quanto mais respeitador, melhor – a mulher informada é protagonista;
•Quanto mais apoio, melhor – a mulher escolhe quem a acompanha;
•Quanto mais acolhedor, melhor – o parto ocorre num ambiente humanizado;
•Quanto mais confortável, melhor – para além da epidural, valorizam-se massagens, hidroterapia, aromaterapia;
•Quanto mais instintivo, melhor – menos intervenções, mais respeito pela fisiologia do parto.
O nascimento como rito de passagem
Cada vez mais mulheres querem — e precisam — vivenciar o nascimento dos seus filhos de forma ativa e consciente. O nascimento é um rito de passagem que marca uma etapa de amadurecimento físico, emocional e espiritual.
É neste contexto que emerge o movimento da Humanização do Parto, que vê a gravidez e o parto como eventos fisiológicos naturais, nos quais apenas cerca de 20% das mulheres necessitam de cuidados médicos especializados. As restantes podem — e devem — ser acompanhadas com respeito, confiança e conhecimento.
“Humanizar o parto é confiar na fisiologia da gestação e do nascimento. É respeitar o processo natural, perceber os aspectos emocionais e culturais de cada mulher e da sua família, e devolver-lhe o protagonismo. É garantir o seu direito ao conhecimento e à escolha.”