“A dor que se pretende eliminar é, no entanto, a nossa maior guia no parto. Ela tem por base o enorme esforço que os músculos do útero, em conjunto com a bacia, o canal vaginal e o pavimento pélvico vão ter de fazer para permitir a passagem do bebé, além dos ligamentos que vão ter de se alongar como possivelmente nenhum outro ligamento alguma terá de o fazer.
Uma sintonia de movimentos que, apesar de na maior parte das vezes perfeita, só poderia ser dolorosa. As nossas forças físicas são, sem dúvida levadas até ao que pensamos serem os limites.
Com a dor, chega-nos a informação de que o trabalho de parto está a começar. Com a dor, recebemos a orientação de como o bebé precisa que nos posicionemos, para ajudá-lo nas rotações que tem de fazer dentro da nossa bacia, facilitando a sua passagem. Esta dor diz-nos como nos devemos mexer, que ritmo precisamos de adotar, se devemos continuar ou parar. É a dor que nos orienta a respiração, que nos leva a suspirar e vocalizar, e mais perto do fim, a respirar superficialmente, com curtas apneias. Tudo sem precisarmos de treinos condicionados. Pura fisiologia em ação.
Com esta dor, sabemos quando estamos a chegar perto do fim. A tal frase de transição que atinge o seu pico é a dor que desencadeia as reações hormonais de “luta ou fuga”. É com base na dor que todos os sinais são emitidos. É essa dor que nos põe em comunicação direta com o bebé. O bebé está dentro de nós, só nós o conseguimos sentir. A dor é o canal de comunicação em que o bebé é o emissor e a mãe o recetor. É com a dor que, por exemplo, podemos ajudar um bebé em posição mais difícil a reposicionar-se, para melhor passar na nossa bacia.
No fim, aí o fim. O fim é um momento inexplicável! É O MOMENTO! Aquele em que sentimos que todo o esforço foi compensado, e que a dor se converteu no mais gostoso e saboroso sofrimento por que uma mulher pode passar: fazer nascer um filho! E terminamos triunfantes. Sentimo-nos capazes. Somos invadidas por uma autoestima como nunca antes tínhamos experimentado. De dentro de nós saiu um corpo, e fomos nós que o fizemos nascer. Envolvemos nos braços o filho que nos chega mediante uma especial cascata hormonal. Satisfação e energia são as palavras de ordem. Bem-ditas hormonas!
Claro que para isso acontecer a mulher tem que estar motivada para compreender, aceitar e sentir esta dor, e, por outro lado, o decorrer do parto tem de o permitir. Se há mulheres que não podem viver assim o parto por razões de saúde, também há mulheres que são saudáveis e se submetem em intervenções confiando que estão a fazer o melhor para si e para o seu bebé. Acreditam nas “razões clínicas” que tantas vezes lhe são ditas, quando afinal as intervenções não são fundamentadas nem sequer recomendadas. Nessas situações de intervenção injustificada, a verdade conhecida é que se estão a aumentar os riscos para a mãe e o bebé; quanto as verdades/consequências ainda desconhecidas, como lhe disse anteriormente, receio que possam vir a revelar-se bem negativas.”
Do livro “Nascer Saudável – Gravidez e Parto Informado”
1ª edição, Maio 2017
Por Sandra Oliveira