O que é a violência obstétrica?
A expressão “violência obstétrica” tem vindo a ser cada vez mais utilizada para descrever situações em que a mulher é desrespeitada, maltratada ou sujeita a intervenções desnecessárias ou não consentidas durante a gravidez, o parto ou o pós-parto. Trata-se de uma realidade séria, ainda que por vezes invisível, e que pode deixar marcas profundas — físicas e emocionais.
Este conceito reconhece que há práticas clínicas que, mesmo quando disfarçadas de rotina hospitalar ou justificação técnica, podem violar direitos fundamentais da mulher: o direito à informação, ao consentimento livre e esclarecido, à dignidade, à integridade física e psicológica e à autodeterminação.
Definição e reconhecimento legal
A definição mais comummente referida parte da Ley Orgánica sobre el Derecho de las Mujeres a una Vida Libre de Violencia (Venezuela), que caracteriza a violência obstétrica como:
“Apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres por profissionais de saúde, traduzindo-se num tratamento desumanizador, num abuso de medicalização e patologização dos processos naturais, refletindo-se na perda de autonomia e capacidade de decidir livremente sobre os seus corpos e sexualidade.”
Em Portugal, apesar de o termo ainda não ter enquadramento legal específico, a Ordem dos Médicos reconheceu, num parecer de 2022, que a expressão pode ser válida enquanto conceito social, desde que não seja usada com generalizações ou de forma acusatória sem fundamento. A Ordem sublinha que qualquer atuação médica deve respeitar os princípios da ética, da boa prática clínica e dos direitos humanos, incluindo o direito à autonomia da mulher em saúde.
Parecer da Ordem dos Médicos sobre violência obstétrica (2022)
Exemplos de violência obstétrica
Muitas mulheres não sabem que foram vítimas de violência obstétrica até muito tempo depois. É importante reconhecer que não se trata apenas de atos físicos: há também violência verbal, emocional e institucional.
Pode estar presente quando:
• É impedida de se mover ou gritar durante o parto;
• É proibida de ter o/a acompanhante escolhido/a;
• É sujeita a intervenções médicas (como episiotomia, toque vaginal repetido, cesariana) sem explicação ou consentimento;
• É tratada com palavras humilhantes ou infantilizadoras;
• Não lhe são dadas opções nem tempo para refletir sobre decisões;
• A analgesia é recusada sem explicação — ou imposta contra a sua vontade;
• O/a profissional toma decisões por si, sem ouvir os seus desejos ou necessidades;
• É separada do bebé após o parto sem justificação clínica clara e sem o seu consentimento.
Estas situações representam uma violação do direito ao consentimento informado, à liberdade de escolha e à dignidade. O consentimento informado é um processo contínuo que deve incluir informação clara, adequada e imparcial sobre riscos, benefícios, alternativas e consequências de qualquer intervenção.
Norma DGS 015/2013 – Consentimento Informado
O consentimento do/a acompanhante
O/a acompanhante da grávida ou parturiente também tem direitos que devem ser respeitados. A sua presença é reconhecida pela legislação portuguesa (Lei n.º 15/2014, artigo 7.º) como parte integrante da vivência do parto. No entanto, em contextos de intervenções médicas ou cirúrgicas, os profissionais devem igualmente prestar-lhe esclarecimentos adequados, especialmente se forem solicitados consentimentos específicos — como, por exemplo, presença no bloco operatório durante uma cesariana. O/a acompanhante nunca deve ser induzido/a a consentir algo em nome da grávida, pois esse direito é exclusivamente dela.
Porquê falar disto?
Falar sobre violência obstétrica é essencial para prevenir abusos, proteger direitos e transformar os cuidados de saúde em experiências positivas, dignas e respeitadoras. Reconhecer que estas situações existem não é um ataque aos profissionais de saúde , mas um apelo à humanização, à escuta ativa e ao cuidado baseado em evidência, empatia e respeito mútuo.