A primeira hora após o nascimento é tão fundamental que é conhecida como a Hora Dourada (Golden Hour). Este momento inaugural fora do útero é determinante para a saúde imediata e futura do recém-nascido, e tem também um impacto profundo na construção do vínculo com os cuidadores.
O que é a Hora Dourada?
Trata-se dos primeiros 60 minutos após o nascimento, durante os quais o contacto pele a pele entre a mãe e o bebé é altamente recomendado. Esta prática simples, mas poderosa, tem efeitos fisiológicos, emocionais e imunológicos benéficos — tanto para o bebé como para a mãe.
O obstetra francês Michel Odent já nos anos 70 afirmava que “a descoberta científica mais importante da segunda metade do século XX foi a de que o bebé precisa da sua mãe”. Durante décadas, os bebés eram frequentemente separados das mães logo após o parto, em nome de rotinas hospitalares ou cuidados técnicos. Hoje sabemos, com base em evidência científica robusta, que esse afastamento precoce pode ter impactos negativos.
Porquê o contacto pele a pele?
Estudos com humanos e outros mamíferos mostram que o contacto imediato com a pele da mãe ajuda o recém-nascido a regular os seus sistemas fisiológicos, reduz o stress e reforça o vínculo afetivo. A separação precoce, por sua vez, pode ser vivida como uma experiência de medo, abandono e instabilidade, com consequências a curto e longo prazo no desenvolvimento emocional.
Para garantir que a Hora Dourada seja respeitada, o bebé deve ser colocado nu e seco, em decúbito ventral sobre o tórax ou abdómen da mãe, idealmente nos primeiros 10 minutos após o nascimento (contacto imediato). O contacto deve manter-se por pelo menos uma hora sem interrupções, desde que o recém-nascido esteja estável e com boa adaptação à vida extrauterina.

Benefícios comprovados do contacto pele a pele
A investigação científica tem demonstrado benefícios claros da prática de contacto pele a pele na primeira hora de vida:
Regulação fisiológica
• Melhor adaptação à vida extrauterina (temperatura, respiração, batimentos cardíacos)
• Termorregulação eficaz, reduzindo o risco de hipotermia
• Estabilização dos níveis de glicose no sangue
• Redução de episódios de choro e irritabilidade reflexa
• Melhoria dos ciclos de sono-vigília
Desenvolvimento emocional e neurológico
• Redução do stress neonatal
• Estímulo da maturação neurológica e regulação emocional
• Reforço do vínculo afetivo com os cuidadores
Aleitamento materno
• Estimula os reflexos de sucção e a iniciativa do bebé
• Aumenta a probabilidade de amamentação precoce e exclusiva
• Estimula a produção de leite pela mãe
• Melhora o padrão de mamadas
• Favorece a manutenção do aleitamento a médio prazo
Dor e procedimentos
• Diminui a perceção de dor em procedimentos como colheitas ou vacinas
• Menor necessidade de intervenção clínica ou farmacológica
Referências científicas:
•Moore ER et al., Cochrane Database Syst Rev. 2016: “Early skin-to-skin contact for mothers and their healthy newborn infants”
•WHO (2022): “Immediate KMC for preterm babies”
•UNICEF Baby Friendly Initiative
E no parto por cesariana?
O contacto pele a pele é recomendado independentemente do tipo de parto, desde que a mãe esteja consciente, clinicamente estável e o bebé não necessite de cuidados imediatos.
Mesmo após cesarianas, é possível organizar a sala cirúrgica e o trabalho da equipa para permitir este momento, com o apoio de um acompanhante ou profissional de saúde que auxilie na colocação segura do bebé sobre o peito da mãe.
E quanto ao risco de colapso súbito (CSIP)?
O colapso súbito e inesperado pós-natal (CSIP) é uma ocorrência rara e imprevisível que pode afetar recém-nascidos aparentemente saudáveis nas primeiras horas de vida. A incidência varia entre 0,26 e 13,3 por 100.000 nascimentos.
Embora raro, este evento reforça a importância de que o contacto pele a pele:
• Seja seguro e supervisionado
• Ocorra com monitorização contínua
• Respeite boas práticas de posicionamento e vigilância neonatal
O papel dos pais e da equipa de saúde
Antes do nascimento
• Informar os pais sobre os benefícios do contacto pele a pele
• Conhecer e respeitar o seu plano de parto
• Assegurar que essa prática está disponível no parto vaginal e cesariana
• Preparar os profissionais e o ambiente clínico
Após o nascimento
• Reforçar a importância do contacto pele a pele
• Assegurar o posicionamento correto do recém-nascido
• Envolver o pai ou outro acompanhante no processo de vínculo
Conclusão
A Hora Dourada não é apenas simbólica — é uma janela de oportunidade crucial para lançar as bases de uma saúde robusta, de um vínculo seguro e de um início de vida respeitoso.
Respeitá-la é um ato de humanização dos cuidados e um gesto de amor que dura uma vida inteira.
