A cesariana originalmente, era uma cirurgia para salvar vidas. A verdade é que uma cesariana pode salvar vidas quando bem indicada mas quando feita indiscriminadamente pode aumentar em até 6 vezes os danos para mãe e bebé.
As taxas de cesariana de um profissional, de uma instituição e até de um país é um importante indicador de qualidade. Segundo a OMS, a taxa de cesariana de referência com índices baixos de mortalidade materna e neonatais deverá rondar os 15-20%. Acima destes valores ocorre um aumento da morbilidade e mortalidade materna e fetal (em Portugal, a taxa ronda os 33% – esta taxa deve-se, em grande parte, ao elevado número de cesariana nos hospitais privados. No SNS as taxas rondam os 27-28%).
FALSAS INDICAÇÕES DE CESARIANA
1. – “Uma vez cesariana, sempre cesariana”
Uma mulher que teve um parto por cesariana pode ter um parto normal numa próxima gravidez. O risco de haver com uma rotura uterina durante um trabalho de parto está calculado em 0,5% (relacionado com intervenções médicas). Porém, no outro prato da balança temos de considerar os riscos de uma segunda cirurgia onde existe maior probabilidade de lesão da bexiga e das ansas intestinais devido a eventuais aderências entre os órgãos cujo a ocorrência é rara.
Existe ainda o risco da placenta estar tão “colada” na parede do útero (placenta acreta) que depois de ser feita a sua extração, a contração uterina pode não ser eficaz. Se juntarmos o risco de atonia uterina (o útero não consegue contrair) também devido à incisão no mesmo, concluímos que o risco de hemorragia será maior. Se não conseguirmos controlar a hemorragia, poderá haver necessidade de transfusão de sangue, e até da realização de uma histerectomia (retirada do útero).
Já existem estudos que indicam que o risco de rotura uterina durante um trabalho de parto após duas cesarianas é de 0.8%. A possibilidade de um parto vaginal após 3 ou mais cesarianas, deve ser alvo de estudo individualizado.
A orientação para o acompanhamento de cesarianas anteriores é o menor número de intervenções possível para diminuir o risco de rotura uterina.
Na verdade, depois de um parto por cesariana, os riscos de um parto vaginal serão menores do que o risco de realizarmos outra cesariana.
2. – Cordão a volta do pescoço
A possibilidade de se detetar circulares de cordão pela ecografia tem levado a indicação de muitas cesarianas desnecessárias.
As circulares cervicais no nascimento estão presentes em cerca de 20-37% dos bebés e não constituem habitualmente um risco acrescido. Além disso, a precisão deste diagnóstico ecográfico é baixa e a constante movimentação fetal pode levar a que se façam e desfaçam circulares até o momento do parto.
Note que quem “respira” para o bebé é a placenta. Portanto a ideia de que o cordão poderia apertar o pescoço do bebé e sufocá-lo está completamente fora da realidade.
3. – Mecónio
O mecónio é uma substância que se acumula nos intestinos do bebé ao longo da gravidez. Quando o bebé nasce, a eliminação do mecónio é fisiológica.
E, em 5% dos partos, o mecónio é eliminado com o bebé ainda dentro do útero. Isto pode acontecer por 3 motivos.
Cerca de 4%:
A – Stress fisiológico do parto – acontece nos trabalhos de parto mais longos;
B – O bebé já está maduro e o intestino já está preparado para funcionar mesmo antes dele nascer.
E cerca de 1% é devido:
C – Falta de oxigénio para o bebé (hipoxia). Quando os níveis de oxigénio baixam, o esfíncter anal relaxa e o mecónio é eliminado. O bebé, numa tentativa de respirar, faz “gasping” (respiração anormal, agónica) dentro do útero e o mecónio acaba por inundar a traqueia, brônquios e pulmões do bebé.
Nas situações A e B, uma vez que não tem qualquer relação com estado fetal não tranquilizador, o ritmo cardíaco do bebé mantem-se normal, não tem indicação para cesariana. No caso C está frequentemente associado a alterações da frequência cardíaca do bebé e tem indicação para cesariana.
4. – Peso do Bebé
Só tem indicação para cesariana eletiva os bebés com peso estimado acima de 5Kg ou, se a mãe for diabética, acima de 4,5Kg.
Mesmo nestas situações devemos ponderar aguardar o início do trabalho de parto para fazermos uma “cesariana eletiva em trabalho de parto”.
É importante referir também que a estimativa do peso do bebé no 3º trimestre da gravidez tem um erro de 10% – para mais ou para menos.
5. – Gravidez Gemelar
A necessidade de uma cesariana vai depender da apresentação de cada feto:
– Se o 1º feto (o que está na frente e vai nascer primeiro) estiver sentado e for a primeira gravidez da mulher, pondera-se uma cesariana
– Se o 1º feto estiver sentado e não for a primeira gravidez da mulher, mas o 2º feto estiver cefálico, existe o risco de os queixos dos bebés encaixarem. Pondera-se uma cesariana.
Nas demais combinações, não existe uma indicação de cesariana mesmo porque os pesos dos bebés gemelares, costumam ser menores, o que teoricamente até facilitará o parto.
Mais uma vez, mesmo nestas situações devemos ponderar aguardar o início do trabalho de parto para fazermos uma “cesariana eletiva em trabalho de parto”.
6. – Doenças Maternas
Deverá sempre ser discutido com o médico da especialidade em questão, para ponderar o risco/benefício da via de parto.