Me amarrei no seu cordão!

 

O cordão umbilical pode medir desde alguns poucos centímetros (é isso mesmo, não existe “cordão curto”) até quase 1 metro de comprimento e está sempre enrolado em alguma(s) parte(s) do bebé. Falar em circular de cordão é quase redundância. Como assim um cordão sem circular, num espaço exíguo, com um bebé em constante movimento? Não faz nem sentido. Os bebés interagem com o cordão, seguram, soltam, mexem. Enrolam-se, passam por dentro, fazem nós e voltas. Macramê do bebé. Ele é preenchido por uma substância gelatinosa que dá volume e protege os vasos sanguíneos internos.

Acidentes verdadeiros de cordão são situações raríssimas, que podem ocorrer durante a gravidez, por exemplo quando o bebé faz um nó verdadeiro e estica o cordão com seus movimentos, interrompendo assim o fluxo sanguíneo que o mantém. Porém esses eventos são mais raros do que um gémeo surpresa na hora do parto, um acidente importante de trânsito, é um tipo de loteria ao contrário que atinge 1 a cada 5 mil gestações. Se isso fosse algo de fato constante em nossa espécie, os bebés não se mexeriam loucamente no útero, interagindo com um cordão de 80 cm de comprimento. Se acidentes de cordão fossem algo fácil de ocorrer, nossos cordões teriam 20 cm, e nossos bebés ficariam quietos numa só posição. A natureza teria cuidado de selecionar essas características.

O famoso prolapso de cordão – quando o mesmo desce pelo colo do útero e vagina antes da cabeça do bebé, interrompendo fatalmente o fluxo de sangue – é um evento igualmente raro, que ocorre principalmente quando o profissional de saúde rompe a bolsa artificialmente, e já há dilatação do colo do útero, porém o bebé está alto. É nessa hora que o cordão pode vir com o líquido. Se não provocarmos a catástrofe artificialmente, na natureza ela é ainda mais rara.

 

As circulares de cordão no pescoço do bebê não representam risco adicional no parto, porque o bebé se movimenta muito menos no final da gestação e já não faz voltas incríveis e absurdas. O cordão sempre está enrolado no braço, no tronco, no pescoço. Uma grande vantagem da circular no pescoço é que o cordão não tem como descer abaixo da cabeça do bebé. Alguns chegam a ter até três ou quatro circulares, os babalorixás intrauterinos. Cerca de um terço dos bebés nascerá com pelo menos uma volta de cordão umbilical ao redor do pescoço.

Durante o trabalho de parto o útero contrai e empurra o bebé pelo canal de parto e conforme ele desce, o útero todo desce junto, inclusive placenta e cordão. Não há um aumento de tensão no cordão durante o parto. Tudo vem junto. A grande descida final acontece quando a cabeça do bebé finalmente sai de dentro de sua mãe, mas nesse momento é possível inclusive cortar o cordão, se for necessário. Em dez anos de prática, nunca fiz, nem nunca vi um(a) colega cortar um cordão nesse momento. Se o cordão chegou até ali, dá para o bebé nascer.

 

O mito do cordão que segura o bebé e que não permita que ele desça no canal de parto é outro que precisamos desfazer. O cordão não tem força para segurar um bebé que desce através da bacia pélvica. Se assim fosse, cedo ou tarde um cordão se romperia com o bebé ainda no meio do caminho e isso não existe. Como foi dito, o cordão está descendo junto com o bebé. O problema é que muitos profissionais de saúde incrivelmente não sabem que o trabalho de parto é caracterizado por esse vai e vem do bebé. Contração vem, bebé desce, contração vai, bebé sobe. Cada vez, ele desce mais um pouquinho.

No momento em que o bebé nasce, o útero desce quase até a altura do umbigo, com a placenta colada e acompanhando o movimento de descida, ou seja, tudo vem junto, não se trata de um bebé bungee jumping. Em nível de curiosidade, sabia que o Brasil é um dos únicos países do mundo em que aparece “circular cervical de cordão” no laudo da ultrassonografia? Será que é por acaso que estamos com 52% de cesarianas?

 

Hoje em dia, entre as parteiras profissionais, já se discute inclusive a necessidade de se sentir se há ou não circular de cordão no momento em que a cabeça sai, e se há qualquer necessidade de se retirar essas alças por cima da cabeça. Pessoalmente penso que não e cada vez intervenho menos. Se a cabeça saiu, o resto vai sair por si só. Deixemos as mulheres e os bebés em paz, eles sabem o que estão fazendo. O monitoramento pode ser feito acessando batimentos, cor e aspecto do bebé.

 

Depois que o bebé nasce, o cordão não deve ser cortado antes de parar de pulsar. O sangue que está lá dentro pertence ao bebé.

Aquele sangue é cheio de células T e hemoglobina, sendo muito importante para o primeiro ano de vida. O ideal é que deixemos esses cordões ligados o quanto for necessário. Podemos deixar até a placenta sair, se for o caso. Não há pressa em se cortar o cordão. O bebé não perde sangue por ali, ele só ganha. Em partos emergenciais a ordem é: não mexa no cordão. Tem até alguns grupos que deixam o bebé ligado no cordão (e portanto na placenta) durante horas e alguns durante dias. Cortar o cordão é apenas um ritual, não importa quando e como o façamos, desde que esperemos que ele pare de funcionar e passar sangue para o bebê.

Cordões umbilicais são fortes, são protegidos e protegem o bebé. Confiemos um pouco mais na natureza, que vem há cem mil anos filtrando os ajustes, montando um processo de parto que seja o mais seguro possível.

 

Por Ana Cristina Duarte

 

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